Crianças autistas mentem? O que todo mundo precisa saber
27 de nov. de 2025
Existe um mito muito comum de que crianças no espectro autista (TEA) são incapazes de mentir. A ideia é que, por terem uma mente mais literal e lógica, elas não teriam a capacidade de enganar. No entanto, essa crença, embora bem-intencionada, simplifica demais a complexidade do autismo e pode até ser limitante.
A verdade é que a resposta para a pergunta "Crianças autistas mentem?" é sim, elas podem. Mas o mais importante não é o "se", e sim o "porquê" e o "como" essa mentira acontece.
A Mentira é uma Habilidade Social Complexa
Para mentir de propósito, a criança precisa de uma habilidade social avançada chamada Teoria da Mente. Isso significa entender que a outra pessoa tem pensamentos, crenças e intenções diferentes dos seus. A mentira intencional exige que a criança:
Entenda o que a outra pessoa pensa.
Crie uma informação falsa.
Comunique essa informação falsa de forma convincente para manipular a crença do outro.
Muitas crianças autistas têm um desenvolvimento diferente ou mais lento dessa habilidade. Por isso, a mentira intencional pode ser mais difícil para elas no início. Mas isso não é uma incapacidade permanente; é uma diferença no desenvolvimento da cognição social. Com o tempo e o desenvolvimento, muitas crianças autistas adquirem a capacidade de mentir, especialmente aquelas que desenvolvem melhor a Teoria da Mente.
O que parece mentira, mas não é
Muitas vezes, o que os pais ou educadores interpretam como mentira em uma criança autista é, na verdade, um comportamento com outra motivação:
Confusão entre Fantasia e Realidade: A criança pode contar histórias que parecem inventadas, mas que vêm de uma intensa imaginação ou de uma dificuldade em separar o que é real do que é imaginário. Não é um engano, é uma confusão.
Repetição (Ecolalia): A criança pode repetir frases ou desculpas que ouviu para evitar responder a uma pergunta difícil, ou por dificuldade de processamento da linguagem. Ela está usando um script social para se proteger, não necessariamente para enganar.
Camuflagem (Masking): Para se encaixar ou evitar conflitos, a criança pode criar uma "falsa persona" ou dar a resposta que acha que o adulto quer ouvir. Isso é uma forma de engano, mas é motivada por ansiedade e defesa, e não por malícia.
A mentira como mecanismo de defesa
Quando a criança autista mente, a motivação é frequentemente funcional, ou seja, serve a um propósito prático, e não puramente manipulador. A mentira surge como um mecanismo de defesa contra um ambiente que a criança percebe como ameaçador ou punitivo.
Se a criança tem medo de ser repreendida por um erro, mentir pode ser a forma mais rápida de evitar o estresse. É uma resposta aprendida para evitar consequências negativas.
Curiosamente, o oposto da mentira, o sincericídio (ser excessivamente sincero, mesmo que socialmente inadequado), é muito mais comum no autismo. A preferência pela verdade literal e a dificuldade em filtrar informações reforçam que a mentira não é a primeira opção de comunicação.
O papel dos pais e educadores: Dicas práticas
Para lidar com a mentira no TEA, o foco deve ser na compreensão e no ensino, e não na punição. Veja como simplificar essa abordagem:
Dica Prática | Como Aplicar |
1. Olhe para a causa, não para a Mentira | Em vez de brigar pela mentira, pergunte: "O que te fez sentir que precisava dizer isso?" A mentira é um sintoma de medo, ansiedade ou confusão. |
2. Crie um "Porto Seguro" | Garanta que a criança saiba que falar a verdade não resultará em gritos ou punições severas. A sinceridade deve ser recompensada com apoio, não com estresse. |
3. Ensine a diferença literalmente | Use exemplos claros e visuais para mostrar a diferença entre "verdade", "mentira" e "fantasia". Evite metáforas. |
4. Scripts para stuações sociais | Se a criança tem dificuldade com "mentiras sociais" (como agradecer um presente que não gostou), ensine uma frase pronta (um "script") que seja honesta, mas gentil: "Obrigado por pensar em mim." |
5. Pratique a detecção de mentiras | Use jogos e histórias para ensinar a criança a notar inconsistências e a não levar tudo ao pé da letra, protegendo-a de ser enganada por outros. |
A chave é lembrar: a mentira no autismo é um pedido de ajuda para navegar em um mundo social complexo. A nossa resposta deve ser sempre a empatia e o ensino de ferramentas de comunicação mais eficazes.
A resposta final é que a mentira no TEA é um reflexo complexo da interação entre a cognição social atípica e a necessidade de adaptação. Ao invés de perpetuar o mito da sinceridade absoluta, devemos buscar a empatia e a compreensão das razões por trás do comportamento.
